13 de out. de 2010

E se Serra ganhasse?

Do blog NPTO
Aproveito o feriado para mandar um texto longo. Está bem difícil ter tempo para escrever, por isso queria deixar esse aqui logo no começo do segundo turno, para se ficar alguns dias sem postar nada. São, em um certo sentido, minhas razões para não votar no Serra. Minhas razões para votar na Dilma.
O povo brasileiro mandou a eleição para o segundo turno porque queria Ghandi, mas ao invés disso corre o risco de ganhar Bush. O risco de derrota da Dilma, representante de um governo absolutamente bem-sucedido, com números excelentes a seu favor, e popularíssimo, é só esse: que as pessoas que votaram na Marina porque queriam mandar um recado para a Dilma (recado dado) continuem votando contra ela sem perceber que, do que Marina via de ruim em Dilma, há muito mais em Serra.
Isso já aconteceu, e teve consequências trágicas. Em 2000, depois daqueles escândalos todos do governo Clinton, muita gente preferiu votar no candidato verde, Ralph Nader, ou decidiu não votar, e acabou dando a vitória a Bush. Não é que os Democratas não merecessem um puxão de orelha, é que os objetivos dos que votaram em Nader teriam sido muito melhor atendidos votando em um ambienatalista convicto como Al Gore do que em um depredador compulsivo do meio ambiente como Bush; e o que é o escândalo Lewinski comparado ao fato de que Bush invadiu o Iraque, e deu a reconstrução para firmas ligadas ao vice-presidente dele?
Pois bem, o que é, nesse momento, a candidatura José Serra? Se ele conseguir virar os pontos que o separam de Dilma, o que seria o governo brasileiro pelos próximos quatro anos? Façamos o exercício.
Em primeiro lugar, seria um governo indiscutivelmente de direita. José Serra não é, historicamente, um cara de direita, muito pelo contrário. Mas qualquer veleidade de progressismo que Serra possa ter tido na vida foi ao lixo quando, no último debate, ele resolveu perguntar a Dilma se ela acreditava em Deus. Peço desculpas públicas aqui ao Índio da Costa: faz um mês que o Serra Palin é o próprio Serra.
Essa turma da direita religiosa, em caso de vitória do Serra, vai poder dizer, com toda razão, que, se não fosse por ela, Serra não teria sido eleito. Isso quer dizer: espaço no governo para toda essa turma aí. Essas pessoas vão decidir coisas sobre política de combate à AIDS (justo isso, em que o Serra tinha se destacado), sobre pesquisa com célula-tronco.
E quem garante que o cara de Igreja será da sua Igreja? E se ele resolver usar o Estado para promover a Igreja dele contra a sua? O Estado laico foi inventado, entre outras coisas, para proteger as religiões umas das outras. Quando uma seção da CNBB, ou uma igreja evangélica menor, começam uma briga dessas, ignoram o que o Vaticano, ou as Protestantes históricas, aprenderam do jeito mais difícil, por mais que digam o contrário: que é melhor o Estado não ser de nenhuma religião do que ser da religião contrária à sua.
E quem é que vinha defendendo esse negócio de jogar pesado mais à direita? O DEM (quem mais?). César Maia bateu palmas com emoção para a campanha dos e-mails religiosos (chequem o Ex-Blog). E um eventual governo Serra teria que dar emprego a todos os DEMsempregados, os políticos do DEM recém-derrotados nas urnas por sua oposição radical e destemperada ao Lula.
A esse respeito, e se quiserem saber o que seria um governo com preponderância do DEM, leiam o artigo do André Urani, respeitado especialista na economia do Rio de Janeiro (e, que eu saiba, nada petista) no DIA de ontem. Vejam essa:
Segundo os dados mais recentes do IBGE, referentes a 2009, 540.000 moradores da região metropolitana do Rio de Janeiro são indigentes, ou seja, “vivem” com menos de 3,74 Reais por dia. Este número tem caído, mas num ritmo bem menor do que em outras partes do Brasil. Há pelo menos três razões para tanto:
1. O Bolsa Família demorou para aterrissar por aqui, por conta das birras que (até recentemente) caracterizaram as relações entre as diferentes esferas de governo. Em outras palavras, Cesar Maia pouco ou nada fez para que os benefícios do Bolsa Família chegassem aos cariocas mais necessitados (e esta é apenas uma das explicações para seu castigo eleitoral);
Aí alguém pode dizer: ah, mas a direita tem suas qualidades. Certo, seria um saco aguentar os fundamentalistas, e o Reinaldo Azevedo achando que teve razão o tempo todo, mas, descontada essa margem analfabeta, a direita pode colocar um monte de economistas da PUC lá no governo, e os caras podem fazer reformas liberais boas para o país, e podem administrar com competência, como já fez, por exemplo, o Armínio Fraga durante o segundo governo FHC.
Pois é, essa seria a racionalidade do voto liberal em geral. Mas isso não é um cenário provável sob Serra. Na hora em que achou que ia perder feio mesmo (mais quinze dias de campanha e ele ficaria em terceiro lugar), Serra fez promessas que agora teria que cumprir: salário mínimo de 600 reais, dobrar o alcance do Bolsa-Família, dar um décimo-terceiro ao Bolsa-Família.
Todos, repito, todos os economistas do partido de José Serra  - e, aliás, todos os outros, provavelmente – sabem que isso seria desastroso para as contas públicas. Se você não votou em Lula até 2002 para ele não quebrar o país, não tem porque votar em Serra agora.
Nenhum economista ligado a Marina jamais considerou essas propostas viáveis. Se não acreditarem em mim, perguntem ao Ricardo Paes de Barros, que assessorou a Marina na área de políticas sociais, ou ao Eduardo Giannetti, que ajudou a redigir seu programa econômico.
Se Serra ganhasse e simplesmente dissesse, mal aí, não vou fazer nada disso, era sacanagem, hehehe, cês também são tudo tonto, só falta também terem acreditado que eu sou religioso, abrir-se-ia uma crise política de grandes proporções. Se Serra ganhar, vai ser por pouco, o que quer dizer que metade da população vai estar puta com ele desde o primeiro dia. Se ele me apronta uma dessas logo de cara, cai.
Mas, na verdade, há como ele fazer isso. É só ele dar todas essas “bondades” e, para mostrar que sempre foi mesmo de esquerda, afrouxar a política econômica, deixando a inflação voltar. O Roberto Freire, do PPS, que há anos diz que o PT é a direita do espectro (o que fez o PT ser a direita do espectro foi o Lula não dar muitos cargos ao PPS), iria à loucura de felicidade no seu Ministério de Combate à #SABOTAGEM, que ele ganharia para ficar lá como símbolo de como o governo Serra dá espaço para todo mundo, ó só, tem até comunista aqui.
Em poucos meses, esses 600 reais valerão menos que 300, o governo vai dar um jeito de livrar a cara dele, a turma que tem grana vai pagar o banco para protegê-la da inflação, e o Serra pode, inclusive, nunca mais reajustar os 600 paus, sem ninguém dizer que ele não cumpriu a promessa.
Claro, se ele fizer isso, o Brasil perde credibilidade internacional na hora. Esqueçam esse negócio de BRICs. Esqueçam o bom trabalho que vem desde o segundo governo FHC, passando por toda a era Lula, durante a qual, vale dizer, o Serra foi contra a política econômica o tempo todo. Esse investimento estrangeiro todo que está para aparecer aqui vai pela janela na hora, sei lá, para o Chile, e algum desses fundamentalistas vai dizer que isso aconteceu porque Deus nos puniu pela Dilma querer matar criancinhas, e o ministério do Roberto Freire será acionado.
Mas, até aí, alguém poderia dizer, certo, o fundamentalismo seria um saco, o Reinaldo Azevedo seria um saco, e eu perderia o emprego, mas, ainda assim, eu quero combater a corrupção, e o PT da Dilma e do Lula se envolveu em vários escândalos de corrupção. Se eu votar no Serra, eu não consigo um governo menos corrupto?
Bom, meu amigo, aí é que você está ferrado, mesmo. O PT se envolveu em vários escândalos de corrupção, é fato, e que bom que trouxeram o Ciro Gomes para a campanha para poder dizer isso com mais desenvoltura. Mas votar no Serra resolve isso?
Tanto quanto sei, o Serra não é pessoalmente corrupto, mas, até aí, tampouco o são FHC, Lula, ou Dilma. Como já disse, se Serra vencer, vai ter que empregar todos os DEMsempregados. Ninguém ali é cotado para a presidência da Transparência Brasil. Mas mesmo o DEM e o PSDB diminuíram muito de tamanho, de maneira que, para governar, Serra teria que se aliar a exatamente os mesmos partidos com os quais o PT se envolveu, por exemplo, no mensalão. Esses partidos já eram da base do governo FHC, que também teve que cooptá-los, sabe Deus como. É impossível pensar que esse pessoal, que se vendeu ao PT, não se venda ao PSDB, ou não entre para o DEM quando ele voltar a ser governo.
Se você não acredita em mim, é só ver como a oposição recebeu com entusiasmo amoroso todos os corruptos que o Lula foi deixando pelo caminho, por um motivo ou por outro. O Quércia está com o Serra em São Paulo, indicou a vice do Kassab. O Roberto Jefferson deu os minutos do PTB na TV ao Serra – e, creiam em mim, vai cobrar por isso. E, depois que não teve mais o Arruda para apoiar em Brasília, o Serra fechou com o Roriz. Esse mesmo.
Eu sou petista, e gostaria muito de poder dizer que no PT não tem corrupto, mas não posso. Todos os membros de um eventual governo Dilma teriam a estatura ética de Marina Silva? É claro que não (eu também não tenho). Mas isso não seria verdade, tampouco, de um eventual governo Marina Silva (já nem falo de um eventual governo Serra), que, se eleita, teria que fazer alianças, como Serra, como Dilma.
Só o que eu me sinto seguro de dizer é que o PT não é especialmente corrupto: não é, nem de longe, um dos partidos mais corruptos do Brasil – chequem os números dos tribunais, outro dia um leitor colocou aqui na caixa de comentários, e vejam que até que o PT é bem acima da média, que, é verdade, é vergonhosamente baixa. Marina sabe que Serra não leva vantagem nenhuma sobre Dilma nesse quesito,  daí sua irritação com os dirigentes do PV que começaram a negociar preço com o Serra.
Há, ainda, outra coisa que se pode temer em um governo José Serra: seria um governo divisivo. Os governadores eleitos pelo PT não precisam se preocupar com perseguição, porque, se Serra for eleito, sua prioridade desde o primeiro dia será cortar as asas de Aécio. Serra não é bom costurador de alianças, uma habilidade necessária em um presidente. Quando Serra começou a pintar como candidato à sucessão de FHC, se meteu em uma articulação na eleição para a presidência da câmara que acabou por desmantelar a aliança construída por Fernando Henrique, o que só foi finalizado com o caso Lunus. Todos lembram do incrível olé que Serra quis dar nos aliados na escolha do vice esse ano, e da extraordinária incompetência que marcou o processo todo: justiça seja feita, Índio da Costa não fez nenhuma besteira comparável às que levaram ao processo de sua escolha como vice (isso não é uma piada com ele, é uma piada com o PSDB e o DEM). O DEM, aliás, protagonizou outro episódio semelhante na chapa de Gabeira no Rio, que acabou com Gabeira e César Maia derrotados. Presidente precisa saber amarrar aliança: tanto FHC quanto Lula foram mestres nisso.
Em outro cenário, talvez José Serra pudesse fazer uma boa presidência. Já começo a duvidar disso, porque as demonstrações de caráter de Serra nessa campanha foram todas, da primeira à última, péssimas, e a própria Eliane Cantanhede já escreveu que ele não tem estabilidade emocional para ser presidente. Mas o principal é que a campanha de Serra até agora foi feita na direção oposta do que se poderia esperar de alguém com sua história, e as alianças feitas e os favores devidos durante a campanha certamente seriam cobrados. Não há dúvida, por exemplo, que dentro da aliança serrista, a virada de uma eleição que parecia pedida será creditada à virada conservadora.
Uma hora o PSDB vai voltar a vencer a presidência, ou novos partidos se formarão, e algum vai vencer o PT. O ciclo econômico vai virar, um monte de merda pode acontecer, cedo ou tarde o PT perde (e, enventualmente, volta a ganhar, e assim vamos). Mas dessa vez, minha impressão é que ninguém ali se preparou para a vitória – essas propostas de 600 reais, esse negócio de brigar com a Bolívia,  são de gente que acha que não vai ter que cumprir nada, porque vai perder. Eles foram para o segundo turno no susto, por causa da Marina, que defendia propostas muito diferentes das suas. Se vencerem, não está com cara de que saberão o que fazer.
Talvez o PT merecesse o castigo de um segundo turno em que Marina Silva nos desse um suor, e talvez vencesse. Mas isso já não aconteceu, embora Marina tenha soado um sinal de alerta de que, embora o governo tenha boa aprovação, ninguém está cego para seus problemas.Dilma seria uma imbecil se não levasse esse alerta em conta em seu governo. Mas pensando no que seria um governo Serra, percebe-se que a alternativa na mesa é muito menos marineira do que Dilma.
Aliás, ninguém precisa acreditar em mim. Já mostrei isso aqui pra vocês hoje?
Ah, já? Foi mal, esqueci.
O que temos a oferecer como defesa da Dilma são nossos números, e os argumentos acima, para que, se você resolva mesmo votar no Serra (o que, naturalmente, é seu direito), saiba bem o que está fazendo.
PS: tudo isso aí em cima é supondo que o colesterol do Serra esteja bom, e ele complete o mandato. Se não estiver, meu amigo, aí é salve-se quem puder. Nesse cenário, a Regina Duarte é um poço de tranquilidade zen comparada a mim.

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