28 de out. de 2010

Refugiados da guerra cambial

Do Valor via blog do Nassif
Mario I. Blejer e Eduardo Levy Yeyati
28/10/2010 
A atual guerra cambial assemelha-se a uma guerra real em dois aspectos importantes: o confronto de desequilíbrios estruturais entre dois grandes oponentes - China e Estados Unidos - obrigou aliados menores, também incomodados, a ficar de um lado ou de outro, enquanto terceiros, que podem não estar engajados diretamente, sofrem danos colaterais dos dois lados.
As economias de alto crescimento da América Latina são particularmente vulneráveis, já que são obrigadas a enfrentar tanto a inflexibilidade da taxa de câmbio da China como o impacto da desvalorização do dólar decorrente da política monetária expansionista do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA).
A dinâmica é familiar: a liquidez em dólar foge para os países emergentes em busca de rendimentos maiores, o que pressiona suas moedas para cima. Brasil, Chile e Colômbia, entre outros, agora se deparam com essas forças poderosas de valorização cambial. Essa pressão é amplificada em países latino-americanos ricos em recursos naturais pelo aumento nos preços das commodities, alta que também é provocada por uma busca similar por risco e pelo declínio no valor do dólar.
Mas por que os países latino-americanos se preocupam com esses fluxos de capital e a mudança de valor de suas moedas? Afinal, os influxos de capital tradicionalmente são considerados como uma transferência positiva de poupança dos países industrializados ricos para os mercados emergentes com escassez de capital.
O cenário pós-crise encontra a região com fundamentos macroeconômicos muito melhores que os do mundo industrial. As posições fiscais são sólidas e o endividamento público equivale a apenas 32% do Produto Interno Bruto (PIB) da região.
Essa visão confiante, no entanto, obscurece a perda de competitividade que a valorização real pode provocar. De fato, a "doença holandesa" - chamada assim pelo declínio catastrófico na competitividade industrial da Holanda, após a descoberta de gás natural no Mar do Norte ter valorizado a moeda local - tornou-se uma preocupação séria. Em vez dos recursos naturais, o que está prejudicando a competitividade na América Latina (e em outros países em desenvolvimento) são os fluxos financeiros.
Um caso exemplar é o México. Nos últimos 18 meses, o peso mexicano valorizou-se 6% a mais que o yuan, minando a capacidade do país de concorrer com as exportações chinesas aos EUA, de longe o maior mercado para os produtos mexicanos.
Mas essa não é a única consequência da doença holandesa financeira. A política de flexibilização monetária quantitativa do Fed amplifica o fluxo de liquidez, o que poderia resultar em perigosas bolhas nos mercados emergentes. Ao inflar artificialmente os ativos e a riqueza nos países receptores, os influxos de capital induzem as economias emergentes a um excesso de consumo, criando o mesmo tipo de condições que levaram à crise recente - só que neste caso em economias que estão bem menos equipadas que os EUA para lidar com os riscos.
Mas o que acontecerá quando os EUA se recuperarem, reverterem a flexibilização quantitativa e começarem a elevar as taxas de juros? Veremos uma reversão do fluxo de capitais, tendo como resultado profundas oscilações das taxas de câmbio? Uma vez que esse cenário continua uma possibilidade clara, a doença holandesa financeira representa uma série ameaça aos países emergentes de alto crescimento.
Se o G-20 quiser desempenhar um papel sério, precisará intermediar uma solução para essa situação. Infelizmente, o impasse na coordenação política mundial durante os recentes encontros do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial pode ser uma demonstração dos limites da supervisão multilateral e da coordenação internacional.
Em uma tentativa desesperada de última hora, o FMI agora está inventando os "relatórios de contágio" ("spillover reports", em inglês) para as economias mais importantes sistemicamente, que serão realizados paralelamente com as consultas regulares do FMI sobre as condições dos países, conhecidas como Artigo IV. A iniciativa está destinada ao fracasso - como ocorreu com o Exercício de Supervisão Multilateral do FMI ou as revisões do G-20 no passado recente. Mesmo se forem identificados grandes contágios, é difícil ver como esse exercício solucionaria o problema fundamental por trás da guerra cambial: a aparente pouca disposição dos principais participantes em conciliar interesses nacionais vastamente diferentes.
Então, o que as economias latino-americanas deveriam fazer? Embora o Chile ainda não tenha promovido intervenções no mercado de câmbio, Colômbia e Peru aumentaram suas reservas internacionais de forma acentuada. O Brasil vem sendo agressivo em termos de restrições de capital, tendo elevado duas vezes o imposto sobre os influxos financeiros. Ações sem coordenação, no entanto, podem resultar em um ciclo vicioso de retaliações e tornar a guerra cambial um confronto comercial total, com sérias consequências para todas as partes envolvidas.
Como alternativa, as economias latino-americanas poderiam tentar estimular uma política coordenada na região, onde as realidades econômicas tendem a coincidir, a interdependência é sentida mais diretamente e o custo do contágio pode ser internalizado mais facilmente. Esse tipo de coordenação regional pode aumentar o poder de barganha dos países envolvidos, fortalecendo sua voz global. Dessa forma, a América Latina poderia deixar de ser uma vítima da guerra e passar a desempenhar um papel importante no processo de paz.
Mario I. Blejer e é ex-presidente do Banco Central da Argentina.
Eduardo Levy Yeyati é professor de Economia na Universidad Torcuato Di Tella, em Buenos Aires, e ex-economista-chefe do Banco Central da Argentina. 

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