23 de dez. de 2010

Prisão perpétua para um ditador

Por Paulo Moreira Leite na Época
Mais uma vez, a Justiça argentina condenou o general Rafael Videla à prisão perpétua. Primeiro chefe da ditadura responsável por 30 000 mortes e desaparecimentos na década de 70, Videla já foi preso, condenado e recebeu indulto outras vezes. Ele vai recorrer à Justiça e pode vencer de novo.
Há duas décadas que a Argentina enfrenta uma rotina de avanços e recuos no julgamento da cúpula responsável por crimes na esfera de direitos humanos. Num  processo que incluiu diversas rebeliões militares, o mesmo governo Raul Alfonsin que mandou investigar a tortura assinou duas leis que garantiam anistia prévia aos acusados do crime pelo qual poderiam ser condenados.
Essas leis foram anuladas pelo Congresso e depois pela Suprema Corte — e só por isso Videla pode ser julgado mais uma vez. Seu destino individual na Justiça não é o mais importante, neste caso.
O importante é o esforço da Justiça argentina para afirmar sua soberania na aplicação das leis do país. Este aspecto transforma o julgamento de Videla num episódio atualíssimo, que interessa a todo Continente, pelo aspecto instrutivo.

Ao conduzir os comandantes militares para o banco dos réus, a Justiça informou a toda população que, como os demais cidadãos, eles também estão submetidos às regras do regime democrático. Não tem direitos especiais nem pode esperar  privilégios.
Não poderiam, há mais de 30 anos, ter planejado a execução covarde de milhares de homens e mulheres que já se encontravam dominados, sem condição de defender-se. Não podem, agora, esperar por um tratamento generoso nem heróico.
Serão culpados, como ocorreu com Videla? Alguns serão inocentados? A Justiça decide — mas ninguém pode colocar-se acima dela.
Este é o ponto central, que deve inspirar uma reflexão entre os brasileiros. Nosso país acaba de ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a apurar as mortes e desaparecimentos da Guerrilha do Araguaia. O ministro da Defesa Nelson Jobim disse que o governo irá ignorar essa sentença, postura que não faz sentido, já que o governo brasileiro reconhece as atribuições da Corte na matéria. O debate é o mesmo. Cabe a Justiça brasileira dizer se todos os cidadãos são iguais perante a Lei — ou não.

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