21 de mar. de 2011

Uma história das relações Brasil-EUA

“Não está muito longe o dia em que o hemisfério será nosso em sua totalidade, como de direito já o é em virtude da superioridade da nossa raça”. Robert Taft, presidente dos EUA (1909-1913).
O primeiro encontro entre chefes de Estado do Brasil e dos EUA ocorreu em 1876, quando o imperador D. Pedro II estava na Filadélfia. Ele e o presidente americano Ulysses Grant inauguraram a Exposição Universal que comemorou os cem anos da independência dos EUA.
A visita do imperador deslumbrou a imprensa de Nova York. Em abril daquele ano, um editorial do New York Herald (que destacou o repórter James J. O’Kelly para acompanhar a viagem imperial desde o Rio de Janeiro até os EUA) dizia ser D. Pedro “um príncipe de elevadíssima linhagem. Descende diretamente das casas de Bragança, Bourbon e Habsburgo, três das dinastias que dominam o mundo. Só desde ponto de vista, tanto quanto este livre e fácil país queria considerá-lo, o Imperador é credor de especiais considerações”. Acima de tudo, dizia “o Imperador é chefe de uma grande nação, a maior depois da nossa, em todo o Continente”, “chefe de uma poderosa nação com quem vivemos em perfeita harmonia, e a cujo governante devemos ter ufania em prestar homenagem”.
A república burguesa do norte extasiava-se com a presença de uma cabeça coroada num momento em que, às vésperas de tornar-se uma potência mundial imperialista, o poderio dos dois países era equilibrado e as contradições amadureciam. Os EUA haviam posto fim à escravidão com uma sangrenta guerra civil cujo efeito foi acelerar a expansão das forças produtivas no país e acelerar o desenvolvimento do capitalismo. No Brasil o trabalho forçado sobreviveria por mais de uma década, mantendo as forças do atraso à frente do país. Outra contradição eram as formas de governo e os alinhamentos internacionais decorrentes delas; enquanto os EUA eram uma república democrática burguesa, o Brasil era uma monarquia ligada politicamente e por laços familiares do Imperador à dinastias europeias feudais e atrasadas e, comercialmente, à Inglaterra.

Era uma situação que, naqueles anos, começava a mudar aceleradamente. Quando a República foi proclamada no Brasil, em 1889, os EUA preparavam o início de sua expansão imperialista. O acelerado crescimento industrial posterior à Guerra Civil transformou o país na principal potência industrial, e a guerra com a Espanha, em 1898, terminou com a anexação de antigos domínios espanhóis, como Cuba, Filipinas, Porto Rico e Guam.
Uma Alca neocolonial no século 19
Naquela época o monarquista Eduardo Prado denunciava, no livro A ilusão americana (1893), o unilateralismo norte-americano, cobrindo um período de mais de cem anos, desde o final do século 18. Seu livro tem relatos preciosos que ainda continuam atuais. Ele descreve, por exemplo, a 1ª Conferência Pan Americana, patrocinada pelo governo dos EUA, que se reuniu no final de 1889 para debater a adoção de arbitragem para resolver conflitos internacionais, a celebração de tratados de livre comércio e (“apenas para encher tempo”, escreveu Eduardo Prado), a construção de uma ferrovia dos EUA à Patagônia.
Um exemplo do unilateralismo dos EUA ficou evidente no tratado comercial assinado com o Brasil em 1891. O governo dos EUA isentava de taxas a importação do café brasileiro (mas o “café já não pagava direitos nos Estados Unidos desde 1873”, indigna-se Eduardo Prado), e alguns tipos de açúcar que acabaram sem valor quando, em seguida, os americanos eliminaram as tarifas de importação do açúcar de Cuba e de Porto Rico, prejudicando as exportações brasileiras. Em troca, o Brasil isentou a importação de farinha de trigo dos EUA e outros produtos americanos, e reduziu em 25% as tarifas alfandegárias sobre vários outros, causando graves prejuízos às indústrias brasileiras: houve uma quebradeira geral dos moinhos de trigo no Brasil, provocando forte perda de captais nacionais e de empregos. O tratado acabou sendo revogado em 1895. Cem anos depois, os norte-americanos voltaram à carga ao insistir na aprovação de um tratado de livre comércio, a Alca, igualmente unilateral, favorável a seus interesses e lesivo para a indústria, a economia e a soberania do Brasil e dos demais países alvo desta operação imperialista.
“Os Estados Unidos não têm amigos, têm interesses” – esta frase, dita pelo secretário de Estado John Foster Dulles na década de 1950, pode ser encarada como uma espécie de lema, de longa duração, da diplomacia dos EUA. Sua crueza já havia sido manifestada no final do no século 18, quando emissários dos Inconfidentes Mineiros esperavam a solidariedade da República do norte para romper com Portugal. Em 1786, José Joaquim da Maia procurou inutilmente o apoio de Thomas Jeferson, um dos fundadores da República americana e só obteve uma resposta evasiva. Numa nota ao secretário de Estado John Jay, Jefferson resumiu o que disse ao brasileiro: os EUA davam grande importância à amizade com Portugal, com quem tinham assinado um “tratado vantajoso”, mas veriam com “interesse” uma “revolução feliz no Brasil”. Sem compromissos ou promessas…
A América para os americanos… do norte
A visão que o governo dos EUA tinha do continente americano tornou-se explicita em 1823 quando o presidente James Monroe formulou a doutrina que leva seu nome, traduzida no princípio “a América para os americanos”, ao qual aqueles que querem ressaltar seu sentido acrescentaram jocosamente a expressão “do norte”.
Temia-se que a Santa Aliança (a reacionária coligação que reunia a monarquia russa ao império austro-húngaro e era aliada da Espanha, Portugal e outras cortes europeias) ajudasse a Espanha a reconquistar as colônias americanas que haviam proclamado a independência, situação que os EUA consideravam perigosa para sua segurança.
Apesar disso, quando o governo do nascente Estado brasileiro enviou a Washington um emissário para negociar o reconhecimento da Independência, ele foi questionado sobre a forma monárquica de governo e sobre sua capacidade para manter a unidade do país. Mesmo assim, os EUA foram o primeiro país a reconhecer a independência brasileira, em 1824.
O governo dos EUA nunca deixou de encarar o Brasil, como os demais países da América Latina, como uma área de seu domínio exclusivo. Exemplo disso foram as reiteradas vezes em que manifestou, ao longo do século 19, a intenção de ocupação da Amazônia e sua defesa da livre navegação no rio Amazonas ou da colonização do vale amazônico com ex-escravos libertados em seu país que formariam, na floresta, uma cabeça de ponte para a ocupação territorial.
Com a República, onda de americanismo
Quando a República foi proclamada, em 1889, houve uma onda de americanismo no Brasil e a própria bandeira proposta inicialmente era uma cópia verde-amarela do pavilhão norte-americano. Mesmo a Constituição republicana foi fortemente inspirada na norte-americana.
Mas a potência dominante continuava sendo, como fora no Império, a Inglaterra, e o período entre 1889 e 1930 foi uma época em que os EUA disputaram essa primazia. Chegou a mostrar as garras com a política do big stick (grande cassetete) do presidente Theodore Roosevelt. Com a I Grande Guerra (1914-1919) a balança do poder regional começou a pender a favor dos EUA, e o Brasil trocou Londres por Nova York como centro financeiro.
Com a crise financeira de 1929, a revolução liberal brasileira de 1930 e a busca de autonomia foram embaraços ao domínio automático dos EUA. Desde 1931 o governo Vargas tomava iniciativas nacionalistas, como o favorecimento do Lloyd Brasileiro para a navegação litorânea no Brasil, ou a imposição de multa às grandes distribuidoras de gasolina (entre elas muitas multinacionais americanas) por sonegação de impostos. Getúlio Vargas consolidava assim uma imagem de nacionalista inaceitável para os norte-americanos, como havia ficado claro na 8ª Conferência Pan Americana, em 1938/1939.
Mesmo assim, aqueles foram os anos em que o imperialismo norte-americano consolidou sua posição, econômica e militarmente. Mas essa hegemonia só pode ser exercida plenamente depois do fim da Segunda Grande Guerra. Durante a guerra, Vargas negociou duramente com os norte-americanos em busca de apoio para o desenvolvimento da siderurgia nacional e para a instalação de uma fábrica de motores e de caminhões. Em 1936 e 1943 ele se encontrou no Brasil com o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt e o acordo entre eles levou à instalação de uma base militar norte-americana em Natal (RN); em contrapartida os americanos comprometeram-se a apoiar o desenvolvimento exigido por Vargas.
Durante a guerra, alguns oficiais brasileiros serviram na Itália junto a generais norte-americanos e voltaram para o Brasil fortemente influenciados por eles, devido principalmente ao temor anticomunista com que encaravam as mudanças democráticas do pós-guerra. Para eles, essa ameaça cresceu no final de 1945 quando Getúlio Vargas aproximou-se dos trabalhadores e aceitou o apoio do Partido Comunista do Brasil. Em conseqüência, Vargas foi deposto por um conluio de generais e liberais brasileiros, com o apoio ativo do embaixador Adolf Berle, dos EUA.

Aliança da direita brasileira com os EUA
Estava aberto um período de relações profundas entre a extrema-direita brasileira, inclusive militares, com agentes norte-americanos para combater o nacionalismo e aquilo que consideravam como ameaça comunista. Juntamente com os comunistas, Vargas era o grande alvo daquela articulação.
Um dos aspectos principais dessa conjuntura foi a interferência aberta de agentes de multinacionais norte-americanas na Assembleia Constituinte de 1946, principalmente a petroleira Standad Oil of New Jersey e a Internacional Telephone Telegraph Co., de telefonia. Durante os debates da assembleia, o norte-americano Paul Howard Schoppel, da Standard Oil, pressionou os constituintes e chegou a distribuir dinheiro a deputados e senadores aliados e a ameaçar os adversários do imperialismo.
Quando Vargas voltou ao governo, em 1951, a direita militar passou a defender uma estreita colaboração militar e econômica com os Estados Unidos e a repressão dos comunistas no Brasil. Naquela ocasião, o governo Vargas assinou, em março de 1952, um acordo militar com os EUA, prevendo o fornecimento de armas ao Brasil em troca de minerais estratégicos.
Aquele foi um tempo de luta aberta entre aqueles que preconizavam um desenvolvimento autônomo e soberano para o país, contra os partidários do alinhamento automático e subordinado do país com os EUA. Essa luta chegou ao clímax em 1954 com a crise que levou ao suicídio de Vargas. Os anos seguintes foram turbulentos, com a crescente articulação entre os setores oligárquicos e agromercantis brasileiros com agentes norte-americanos. As relações Brasil-EUA foram atribuladas durante o mandato do presidente Juscelino Kubitschek, que adotou uma política desenvolvimentista e, em 1960, rompeu com o FMI por não aceitar as pressões para aplicar um rígido programa monetarista (hoje chamado de neoliberal). Sob a curta presidência de Jânio Quadros, em 1961, a chamada política externa independente procurou fortalecer o comércio externo brasileiro e atrair novos parceiros, principalmente a União Soviética, criando atritos nas relações Brasil EUA. Elas azedaram ainda mais depois da nacionalização de empresas norte-americanas, como a Cia de Energia Elétrica Riograndense, filial da norte-americana Bond & Share, a Cia Telefônica Riograndense, filial da ITT (ambas pelo governo de Leonel Brizola), e do escândalo da Amforp (American Foreign and Power Co.), empresa norte-americana do setor elétrico cuja compra foi anunciada pelo presidente João Goulart em 1963. O Congresso brasileiro também debatia a lei de remessa de lucros, repudiada pelos norte americanos mas sancionada por Goulart em janeiro de 1964, poucas semanas antes do golpe militar que o tiraria do poder.
Ação da embaixada dos EUA contra Goulart em 1964
A conspiração contra João Goulart foi talvez o cenário para a maior e mais direta intervenção norte-americana na política brasileira. Naqueles anos, principalmente na eleição de 1962, houve uma verdadeira derrama de dólares (cerca de 20 milhões, uma fortuna na época) para apoiar candidatos conservadores, comprometidos com os interesses dos EUA. O epicentro da conspiração que articulava grandes empresários brasileiros e estrangeiros, generais, parte do clero e demais lideranças conservadoras era a embaixada dos EUA, dirigida por Lincoln Gordon.
Depois de 1964, os governos militares tentaram impor um regime de alinhamento automático com os EUA e o marechal Castello Branco chegou a defender a limitação da soberania brasileira num discurso pronunciado no Itamaraty em 31 de julho daquele ano. Essa política esbarrou, contudo, nas contradições vividas pela ditadura militar; quando militares da linha dura militar assumiram a presidência, sob o marechal Costa e Silva, seu nacionalismo direitista foi um obstáculo à subserviência completa, embora o alinhamento automático com os EUA nunca tenha sido descartado. O regime dos generais aplicou uma política ajustada aos interesses norte-americanos; favorecia as empresas estrangeiras no país e alinhava-se, na política externa, com a orientação ideológica anticomunista. Assim, apoiou golpes de estado na Bolívia (1971), Uruguai (1971-1973) e Chile (1973).
Ao mesmo tempo, aproveitou brechas comerciais na América Latina, Oriente Médio e África e não hesitou, em função desses interesses comerciais, em fazer do Brasil um dos primeiros países a reconhecer a independência de Angola (1975), provocando forte irritação no governo americano. Já o governo do general Ernesto Geisel incentivou a indústria bélica brasileira, assinou um inaceitável para os norte-americanos acordo nuclear com a Alemanha, rompeu o acordo militar Brasil-EUA, de 1952, fomentou o desenvolvimento de uma indústria de computadores no Brasil, criando novas arestas nas relações entre os dois países.
Política externa independentes sob Lula e Celso Amorim
Nos últimos vinte anos, as relações entre o Brasil e os EUA oscilaram entre a adesão acrítica e subserviente de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, e a retomada de uma política externa independente e da busca de uma inserção soberana do Brasil no mundo, com ênfase na diversificação dos parceiros comerciais, no fortalecimento da unidade sul-americana e do Mercosul, e na consolidação de parcerias estratégicas com a China, a Índia, a África do Sul e a Rússia, promovida pelo governo do presidente Lula.
O melhor exemplo dos resultados da nova política externa brasileira e de seu impacto nas relações com os EUA foi a paralisia das negociações em torno da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Durante a década neoliberal, o esforço por sua criação foi a tônica nas relações entre o Brasil e os EUA. A ideia fora lançada pelos norte-americanos, em 1994, para eliminar as barreiras alfandegárias ao comércio e à circulação de capitais, e 2005 foi fixado como data final para a conclusão do acordo.
Mas logo ficaram claros os objetivos anexacionistas da Alca e seu unilateralismo favorável aos norte-americanos, repetindo o expansionismo que já havia sido registrado na 1ª Conferência Pan Americana, de 1889. O acordo esperado pelos EUA para implantar a Alca, em 2005, fracassou e aquele projeto neocolonialista foi retirado da agenda dos países latino americanos.
Os tempos mudaram desde o governo Lula e a diplomacia dirigida pelo chanceler Celso Amorim. O Brasil voltou a ter um protagonismo soberano no mundo, deixando para trás a época em que embaixadores brasileiros precisavam ouvir, antes, a opinião de seus colegas do Departamento de Estado. Este período tem sido marcado por uma série de desentendimentos entre a diplomacia dos dois países. Em 2003, por exemplo, o governo Lula foi contrário à invasão do Iraque por tropas dirigidas pelos EUA. Foi um importante sinal de independência, reiterado ao longo dos dois mandatos do presidente Lula.
Hoje, o Brasil e os EUA têm posições diferentes, e em alguns casos antagônicas, em uma série de temas internacionais, como a defesa pelo Brasil do direito do Irã desenvolver um programa nuclear pacífico, inaceitável para os EUA; a interferência direta dos EUA em países da América Latina, como o Haiti para onde, depois do terremoto de janeiro de 2010, foi enviada uma tropa americana que passou a funcionar como força de ocupação, ou Honduras, onde o governo de Washington apoiou uma eleição ilegítima para a sucessão do presidente deposto. Além disso, Brasil e EUA tem se defrontado em algumas disputas comerciais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde o Brasil tem obtido sucessivas vitórias em queixas contra práticas comerciais americanas lesivas aos interesses brasileiros.
Mais do que isso, a diplomacia brasileira teve um papel destacado na integração da América do Sul, favorecendo desde a integração física dos países, com a construção de uma infraestrutura física para a integração e o fortalecimento das relações econômicas no continente, até a institucionalização da integração, com a constituição de organismos regionais como a Comunidade Sul Americana de Nações (Unasul), a partir de 2004, e o Conselho de Defesa Sul-Americano, em 2008.

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