6 de mai. de 2011

A derrota do campeão da Civilização

Por David Coimbra no Zero Hora

Os Estados Unidos são o auge da Civilização. Em nenhum lugar ou tempo da História, o homem atingiu a sofisticação na defesa dos direitos humanos como nos EUA do século 21. Quando Robespierre, Danton e Marat lideraram a Revolução Francesa e derrubaram a monarquia, os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade já guiavam os EUA. Quando o mundo estava indeciso entre o racismo maquiado de darwinismo e a democracia, os Estados Unidos atravessaram o oceano como campeões da liberdade, empurraram os Aliados à vitória na II Guerra e, depois, tomaram a Europa pela mão e a conduziram pelo bom caminho da garantia dos direitos do indivíduo.


É bem verdade, também, que nos Estados Unidos o próprio governo se empenhou em massacrar os índios, que à margem dos lagos do Tennessee foi criada a Ku Klux Klan e que volta e meia algum nerd invade uma escola e fuzila os colegas porque a loirinha chefe de torcida não lhe deu bola, mas o que importa não são as crueldades e as injustiças de uma sociedade, que todas as sociedades têm crueldades e injustiças. O que importa é o quanto a sociedade é hipócrita.
Quanto mais hipocrisia, melhor.

A hipocrisia salva o homem da maioria das iniquidades que o homem gostaria de impingir ao seu próximo. Se uma sociedade tem baixos índices de hipocrisia, ela tem seguramente altos índices de perversidade. Muitos homens gostariam de encerrar suas mulheres em casa e só permitir que saíssem debaixo de um lençol preto. No Ocidente democrático, os homens não admitem isso. São hipócritas, o que é ótimo. Em alguns países do Oriente, eles não apenas admitem como FAZEM isso. São sinceros, o que é péssimo.

No Brasil houve tortura, sabe-se. Isso é péssimo. Mas o governo jamais reconheceu a tortura oficialmente. Isso é ótimo. Se a tortura fosse reconhecida, nem sequer poderia ser recriminada.

O que se poderia dizer do confronto Bin Laden versus EUA? Era o Terror contra uma democracia legítima, o obscurantismo contra as luzes, o fanatismo religioso contra o racionalismo laico. Nenhuma pessoa sensata “torceria” por Bin Laden, portanto. Por ele não torciam nem os países islâmicos que nenhuma simpatia têm pelos Estados Unidos, e a prova disso é que, durante 10 anos, Bin Laden peregrinou pelo Oriente Médio tentando mobilizar as massas para a sua causa. Não conseguiu. Bin Laden, a despeito de ter mudado o mundo com um lance de maligna ousadia, fracassou em quase todos os seus objetivos.

Assim, a captura de Bin Laden pelos EUA deveria mesmo ser motivo de júbilo no Ocidente democrático. Mas a forma como Bin Laden foi capturado... O informante que levou os americanos até ele foi torturado em Guantánamo. Depois disso, forças especiais dos Estados Unidos invadiram o território do Paquistão sem aviso prévio. Finalmente, Bin Laden foi assassinado sem ter sequer uma faca de cozinha para se defender. Todas essas ações foram admitidas pelos americanos, e o resultado delas foi festejado nas ruas. Tortura, invasão, assassinato. Os Estados Unidos não foram hipócritas, dessa vez. Foram bestialmente francos. Isso é o mais preocupante. Quando falta hipocrisia, falta o cimento da Civilização.
 
David Coimbra

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