30 de ago. de 2011

Alguém acredita que a invasão da Líbia tem contornos humanitários?


Kadhafi e a colonização  
Por Paulo Moreira Leite
A fuga de Khadafi após 42 anos de ditadura não gerou nem poderia gerar festejos semelhantes àqueles que se viu em outras paisagens da primavera democrática dos povos árabes.
Compreende-se. Não há democratização possível sem que a população de um país seja capaz de recuperar a soberania sobre seu destino — e aquilo que se vê na Líbia, hoje, está longe de configurar uma evolução nessa direção.
Pelo contrário. A situação encontra-se em evolução e é muito cedo para antecipar qualquer desfecho.
Mas já surgiram sinais a indicar a permanencia de um ambiente colonial, fiel àquela tradição italiana — não vamos esquecer que o país foi um dos colonizadores da Líbia no século XX — tão bem resumida pelo grande escritor  Giuseppe Tomasi di Lampeduza, que explicou que em determinada situações “é preciso que tudo mude para que nada mude.”
A queda do regime violento e corrupto de Khadafi só tornou-se possível graças a uma intervenção militar estrangeira. Lançada com o argumento humanitário de que era preciso proteger a vida de civis ameaçados de massacre pela ditadura, os bombardeios feitos em nome da OTAN tornaram-se a principal força da vitória dos rebeldes cada vez mais “rebeldes.”
Boa parte das armas dos adversários de Khadafi foram fornecidas por governos estrangeiros, que também inflitraram agentes em vários pontos de país para manipular a rebelião e articular uma saída de acordo com seus interesses. Até as
crianças sabem o que está por trás dessa articulação: a garantia de petróleo bom e barato da Líbia para franceses, ingleses e italianos.
Quando tomou posse, há 46 anos, Khadafi assumiu um discurso de defesa dos interesses do país contra o império britanico, padrinho de uma monarquia tão dócil aos senhores ocidentais e tão indiferente às misérias da população que jamais provocou  arroubos democráticos nos governos dos países desenvolvidos nem queixas quanto a sua eternização no poder.
O tempo encarregou-se de transformar o próprio Khadafi num farsante bilionário, ocupado em ampliar a fortuna e o prestígio pessoal.
No fim das contas, deu uma contribuição duradoura à decadência ocidental ao comprar, com os dólares do petróleo, a boa vontade de políticos ingleses de todos os partidos, permitindo que se tornassem muito parecidos com seus colegas de várias latitudes do planeta.
Khadafi também patrocinou intelectuais de prestígio que, em troca de gordas contribuições às instituições que dirigiam, produziram um escandaloso serviço de lobistas acadêmicos para divulgar teses elogiosas e despudoradas a seu governo.
O ditador foi derrotado e, por enquanto, a única certeza é que a Libia seguirá fornecendo petroleo a bom preço para os senhores de sempre. O primeiro-ministro frances Nicolas Sarkozy já exibe ares de quem pode abrir portas nos palácios de Tripoli.
Porta-vozes do novo governo já pediram que as forças humanitárias ampliem sua estadia no país para além do prazo autorizado pela ONU.

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