31 de out. de 2011

A maior participação do Estado na economia no governo do PT


Do Globo via Favre
Total de empresas criadas desde 2003 já supera o de companhias que foram liquidadas ou vendidas na gestão FH
Estatais

Com a chegada do PT ao poder em 2003, o programa de privatizações iniciado no governo de Fernando Collor de Mello sofre mudanças. Embora rodovias e hidrelétricas tenham sido concedidas à iniciativa privada desde então e os aeroportos sejam os próximos da fila, percebe-se uma forte retomada do papel do Estado na economia. A face mais visível dessa reviravolta é o crescimento no número de estatais. Hoje, elas somam 147, ou seja, há 40 a mais do que em janeiro daquele ano, segundo o Ministério do Planejamento. As 40 novas empresas são o saldo entre a criação e a extinção de estatais desde 2003 e representam um movimento na direção contrária do que ocorreu no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando a lista de estatais foi reduzida em 38 empresas, para 107. É como se o enxugamento da máquina pública promovido nos dois mandatos tucanos tivesse sido apagado. Em 1990, quando Collor assumiu a Presidência, eram 186 estatais.
O GLOBO publica hoje a última reportagem da série sobre os 20 anos de privatizações no Brasil.
Fundos de pensão de estatais ampliam atuação
Quem puxa o crescimento das estatais é a Petrobras, que criou 40 subsidiárias no governo Lula. Sua expansão resulta, em parte, da intenção do governo de ampliar a presença do Estado em áreas consideradas estratégicas, como a petroquímica. Se nos anos 90, a empresa se retirou do setor, na última década, ela voltou com força, induzindo o processo de consolidação. Hoje, a Braskem, na qual ela é sócia com a Odebrecht, domina os três polos petroquímicos no país.

Mas não foi apenas a petrolífera que ampliou seus tentáculos. Entre as estatais recentemente criadas estão a Hemobrás (que produzirá derivados de sangue) e a Ceitec (que atua no setor de semicondutores). Do lado das empresas liquidadas está, por exemplo, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA).
O economista Vladimir Maciel, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Mackenzie e autor de artigos sobre o tamanho do Estado, não vê a expansão das estatais em si como um problema. Lembra, no entanto, que num governo democrático mais estatais significa mais espaço para dividir com os partidos da coalizão, abrindo brechas para o aparelhamento das empresas. — Dividir o poder é legítimo, a questão é qual será o critério de composição do governo. A ocupação de cargos do segundo escalão, por exemplo, é muito pouco transparente.
Completam o tripé que sustenta o atual modelo de desenvolvimento a expansão dos fundos de pensão patrocinados por estatais e sob forte influência da União, bem como o fortalecimento do BNDES, especialmente apoiando a formação de multinacionais brasileiras. O avanço dos fundos foi mapeado pelo professor do Insper Sérgio Lazzarini. No seu livro “Capitalismo de Laços”, ele mostra que o número de empresas em que a União tem participações, seja por meio da BNDESPar — braço de participações do BNDES — ou dos fundos de pensão Previ, Petros e Funcef subiu de 72 em 1996, para 119 em 2009. Ele lembra que os laços do Estado com grupos privados se inserem num modelo de gestão criado na época de FH, já que muitas empresas privatizadas tinham fundos de pensão ou o BNDES nos consórcios, mas frisa que tal modelo foi replicado e expandido no governo Lula. — O lado negativo disso é uma possível maior interferência do Estado nas empresas, como o recente caso da Vale — diz Lazzarini, referindo-se à pressão para troca de comando na empresa por parte do governo, que detém direta e indiretamente mais de 60% da holding que controla a mineradora. Quanto ao fortalecimento do BNDES, uma das críticas recai sobre a estratégia de “construção de campeões nacionais”, nas palavras de Lazzarini, por meio de apoio a fusões de empresas para formação de grandes grupos, como Oi/BrT e JBS/Friboi, aproximando-se do modelo de desenvolvimento dos anos 70. Para o economista Fábio Kanzuc, da USP, essa estratégia é maléfica para o país. Isso vai além da falta de debate sobre quais setores e empresas merecem ter os juros subsidiados do banco: — O BNDES, ao escolher empresas e setores, em geral os grandes, prejudica médias empresas e faz com que a produtividade do país seja menor.
BNDES: 19,6% do crédito para setores privatizados
Outra crítica é a dependência em relação ao financiamento do banco. Os desembolsos passaram de R$ 48,3 bilhões em 2003 (em valores atualizados) a R$ 168,4 bilhões em 2010. O crédito para setores privatizados (energia elétrica, ferrovias, siderurgia, telecomunicações e química/petroquímica) somou R$ 32,4 bilhões nos últimos 12 meses, 19,6% do total liberado. O BNDES nega direcionamento político. Diz que “é um instrumento da política de governo e, nesse sentido, seu papel atual não difere do passado. O BNDES, com sua capacidade técnica, dá suporte às demandas de governo”. O banco diz que responde por 72,9% de financiamentos com prazo superior a três anos, abaixo dos 83% em 2010, mas acima dos 65,3% de 2008. Para Júlio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi) e ex-secretário do Ministério da Fazenda, o BNDES não “rouba” o espaço dos bancos, mas sim supre uma demanda por crédito de longo prazo. — Falta o governo incentivar com vigor os bancos privados a atuarem neste segmento.

MURILO BARELLA
‘O capitalismo brasileiro tem atrasos’

Para o coordenador do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest) do Ministério do Planejamento, Murilo Barella, o Estado deve liderar projetos de infraestrutura.
O GLOBO: Como o senhor define o atual modelo de desenvolvimento?
MURILO BARELLA: É um modelo ainda em construção. Não estamos propondo o estatismo do passado e entendemos que o Estado tem de ser enxuto, mas ele não pode ser ausente. O capitalismo brasileiro tem atrasos que precisam ser corrigidos. De forma didática, diria que o modelo atual de desenvolvimento é um intermediário entre o Estado-empresário e o Estado-regulador.
Que atrasos precisam ser corrigidos?
BARELLA: O país precisa de projetos de infraestrutura que o setor privado, sozinho, tem dificuldade de fazer. Para esses investimentos de fôlego e de mais longo prazo, o Estado tem que ir na frente.
A expansão de estatais pode ampliar a tradição patrimonialista no Brasil?
BARELLA: Na crise financeira de 2008, o governo reduziu os compulsórios dos bancos, mas eles não irrigaram a economia com crédito, como esperado. Foi preciso que os bancos públicos atuassem. As estatais não estavam agindo em nome de poucos grupos.
Os críticos dizem que as estatais são ineficientes e que são loteadas politicamente...
BARELLA: Não interessa se a empresa é pública ou privada, e sim como ela é gerida. A Enron (empresa americana que quebrou em 2001) era privada e tinha uma gestão ineficiente.

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