18 de nov. de 2011

Eliana Calmon e os limites da democracia

Jorge Portugal no Terra Magazine
De Salvador (BA)
Nesta semana tomei uma magnífica "overdose" da Ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional da Justiça. Primeiro, em palestra no Centro Harmonia, aqui em Salvador, e na segunda-feira, no programa Roda-Viva da TV Cultura.
Estar diante da Ministra e suas ideias ardorosamente defendidas é se ver diante de um processo de realização de velhas utopias.É ver coisas das quais já tínhamos perdido de vez as esperanças. Explico aos distraídos: dos três poderes constituídos - executivo, legislativo e judiciário - apenas o último permaneceu por séculos como uma fortaleza inatingível, um castelo monumental inacessível ao comum dos mortais, ao qual nem era bom fazer referências prosaicas, que dirá questionadoras. O magistrado era (e ainda é) no Brasil uma espécie de "aristocrata sem monarquia" , representante de um poder acima de qualquer suspeita e seus membros, não raro, colhidos na seara dos sobrenomes incomuns, como numa transmissão de herança divina.Inabordáveis.Intocáveis.Inacessíveis.
Os nossos intervalos democráticos nos permitiram toda sorte de questionamento e até alguma descompostura dirigida a membros do legislativo e executivo. Marchinhas carnavalescas foram feitas como caricaturas de Getúlio Vargas, Juscelino e outros poderosos da época; humoristas sempre deitaram e rolaram a partir de deslizes de autoridades e representantes do parlamento; recentemente, até o presidente Lula foi alvo de promessa de uma surra que seria dada por um senador e um deputado. Os programas de TV, estilo CQC, fazem grande bagaceira com a imagem pública dos congressistas que "pisam na bola". Mas... um juiz, um desembargador, um membro do STF, quem era "louco" de criticar publicamente ou tentar ridicularizar, mesmo se provada a culpa em "algum cartório"? É que esse poder sempre varreu o lixo para dentro, num espetáculo estarrecedor de corporativismo, e ainda dirigindo ao membro criminoso punições com a leveza de um algodão doce.

Até que a Ministra Eliana Calmon chegou à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça! Filha legítima de Iansã com Xangô (isso vale para os iniciados em afro-baianidades), não só não se calou diante de um mar de falcatruas que encontrou, como deu celeridade aos processos de investigação e ainda cunhou a expressão "bandidos de toga" para definir magistrados que adentram por caminhos que deveriam condenar. Foi a senha que um Brasil amedrontado, injustiçado, apequenado ante um poder descomunal estava esperando.
Apoio de todos os lados do país, aplausos patrióticos da cidadania, agradecimentos de todos os brasileiros que se sentiram vocalizados por ela. Naturalmente que houve restrições - veladas ou desabridas - dos que dormiam (e até roncavam) no berço esplêndido dos seculares privilégios - apelidados de "prerrogativas".
A luta da Ministra Eliana Calmon começa a abrir uma caixa-preta inaceitável em tempos de verdadeira democracia. E aí está um dos seus méritos principais: testar os limites dessa democracia e nos revelar se ela, a democracia, é mesmo verdadeira. Ou não.
Jorge Portugal é educador, poeta e apresentador de TV. Idealizou e apresenta o programa "Tô Sabendo", da TV Brasil.

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